Elis Regina (1977) - foto: Juarez Fonseca/ Agencia RBS
Elis,
Tudo bem. Nenhuma pista sobre tua morte. Tipo crime perfeito. Precisa ver. Os perplexos seguem as pegadas duma tal fama assassina que devora seus filhos. Os nascidos nos anos 40 já acham que tá é passando um flautista, convocando a geração “da gente” (Ri! Ri! Ri!). Os legistas shibatam tuas vísceras à cata de comprimidos e tóxicos.
Tu despistou todo mundo.
Mas eu, eu encontrei a caixa-preta. E vou dormir:
Nós homens te matamos, mulher.
Você dobrou tua voz e venceu. Dobrou teus negócios e venceu. Dobrou tua consciência política e venceu.
Quis ser mulher livre e perdeu…
Nós homens te exigimos alta, linda e gostosa. Nós homens te espancamos a murros e pontapés uma, duas, de dez vezes. Nós homens te obrigamos a lavar roupa e cozinhar pra nos sustentar. Nós homens te forçamos a se humilhar diante do teu povo, cantando de joelhos o hino nacional. Aí, nós homens, sem perguntar, te enterramos no cemitério dos mortos-vivos do Caboco. Mamadô. Nós homens te exibimos em churrascarias. Nós homens te vestimos de azul, vermelho, branco, roxo, amarelo, preto e cortamos teu cabelo curtim feito Joana d”Arc.
E você só queria namorar nós homens.
Mas nós homens não conseguimos namorar uma mulher livre.
Perplexos, quarentões e médicos-legistas!
Podem suspender as diligências.
Tá na caixa-preta: fomos nós, homens.