"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

segunda-feira, 18 de julho de 2016

A vida criativa e a contrução de um estilo

Claudio Ulpiano

(...)
Então, para o Nietzsche, a vida seria um processo que, desde que ela apareceu neste planeta, foi profundamente envenenado. A vida foi envenenada, a vida foi perseguida, no sentido de que os homens da vontade de nada, diz o Nietzsche, eram profundamente apaixonados pela vida ― mas por uma vida fraca. Apaixonados pela vida, mas por uma vida fraca...
E essa vida fraca era uma vida que precisava de orientadores. Por isso, o Nietzsche se opõe radicalmente ao cristianismo, porque o cristianismo pregaria uma vida enfraquecida, quer dizer, de pessoas que necessitariam constantemente de auxílio de outras.  Para ele, a vida é forte nela mesma. Ela tem que ser forte... É uma questão dramática, o que eu vou dizer, porque nós temos os dois caminhos: a vida enfraquecida e você procurar recurso nos modelos conservativos para dar conta dos sofrimentos da sua vida conservativa; ou uma vida afirmada, no sentido da vida ser um processo criativo, mais nada.
É difícil dizer isso: ela ser um processo criativo. Então, a vida se torna, imediatamente, uma procura de estilo. Enquanto a vida conservativa é uma vida em que se busca conforto e segurança. A vida ativa é uma busca de estilo. Buscar o estilo! Não só para você, através do estilo, produzir uma obra, mas produzir a sua própria vida. Não há nenhum objetivo, não há nenhuma finalidade, mas a única saída para a vida, diz o Nietzsche, seria a construção de um estilo.
O estilo é uma figura muito difícil na história do pensamento. O primeiro grande pensador do estilo foi um romano chamado Quintiliano e, se vocês observarem os grandes artistas, todos eles têm a mesma questão – a busca de um estilo.
O estilo... aqui começa a se clarear toda a aula, toda a aula começa aqui. Eu disse que a vontade afirmativa busca o estilo, a vontade de nada busca a conservação e o repouso.
Então, a busca desse estilo passa a ser a busca da vontade afirmativa – produzir novas maneiras de pensar. Produzir o estilo é buscar novas maneiras de pensar. Quer dizer, quando você se propõe a fazer alguma coisa, não importa o que, quando você se propõe a fazer alguma coisa, se você não quiser se manter numa posição de plágio ou de reprodução, a primeira prática que você tem que fazer é a procura de um estilo. O estilo é o rompimento do que está estabelecido. O estilo é uma complexão de contrastes, de confrontos, de alteridades, de diferenças... Por exemplo, você... (acho até que eu já falei isso para vocês) você faz uma descrição marítima de um objeto terráqueo, então o estilo é os confrontos das contrariedades, os enfrentamentos dos diferentes. O estilo é quando o homem rompe todas as regras que o governam, para se tornar um criador.
O que Nietzsche está dizendo aqui é facílimo de se entender. Ele está dizendo que qualquer homem tem duas linhas para seguir. Ele tem a linha conservativa e a linha afirmativa. E essa linha afirmativa se define pela produção do estilo. Porque se você não consegue obter esse estilo na sua vida, você não consegue produzir a sua obra.
Daí é que nasceria... (eu vou fazendo essa cadeia, essa cadeia daqui chama-se cadeia degestus...) daí, por causa desse estilo, começa-se a desenvolver, nos pensadores nietzscheanos, uma nova compreensão do que é inconsciente. Eles começam uma compreensão do inconsciente, quer dizer, rompendo a ideia de inconsciente como se inconsciente fosse uma estrutura qualquer, uma estrutura de linguagem, uma estrutura qualquer... o inconsciente passa a ser uma força. Uma força selvagem, uma força violenta, uma força dominadora...  Tudo que essa forca pretende encontrar é um estilo para tentar se expressar.
Por isso, quando nós encontramos uma obra do Deleuze, que seria a expressão mais clara dessa exposição que estou fazendo para vocês, um pensador da criação, um pensador da vida, um pensador do estilo... tudo o que mostra a obra do Deleuze, são aqueles que de alguma maneira inventaram um estilo para constituir a sua própria vida.
É com um confronto pequeno que eu vou concluir o nosso curso. Um pequeno confronto! São duas linhas possíveis de vida: uma linha conservativa, uma linha reativa, em que você reproduz tudo o que está estabelecido, você não bota em crise nada do que está estabelecido; ou uma busca do estilo e pela própria busca do estilo você bota em crise tudo que está estabelecido. É a simples busca do estilo, no sentido de que o estilo é uma possibilidade que só surge nas filosofias que afirmam que esse mundo daqui é o melhor dos mundos possíveis. Em todas as filosofias que são reguladas pela lei e pelo bem, nada disso aconteceria.
O Nietzsche... (vou concluir, ouviu? Dentro das possibilidades de uma última aula...). O Nietzsche é um arauto do pensamento que eu chamei de estilo. A busca de um estilo para constituir a própria liberdade e um modo de vida como fundamento de uma filosofia que tem o Deleuze como pórtico.
(Muito bem! Nós fizemos esses encontros; foram doze dias... onze dias...)



Esta é a última aula do curso "O que é a filosofia?", ministrado por Claudio Ulpiano no verão de 1996. no solar dos Oitis, na Gávea.
As aulas deste curso que já estão transcritas são: A força imaterial da vida - 19/01/1996;Corpo orgânico e corpo expressivo - 24/01/1996; Degradação e criação: duas questões do tempo - 02/02/1996.
Esta aula foi postada no facebook em abril de 2014, dividida em 30 capítulos, fazendo parte do projeto:  Facenovela Filosófica.

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