"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

terça-feira, 31 de maio de 2016

Uma dose de afeto, por favor

Anna Haddad


Uma dose de afeto, por favor.


Não se fala muito disso.

É quase como se amor e carinho fossem sempre coisas simples, bonitas, puras e divinas. E se você for boa menina e fizer tudo direitinho, vai ter sua quota na vida e ser feliz pra sempre. 

Mas o amor romântico e a dependência afetiva podem ser drogas pesadas, minha cara. 

Eu sei, o assunto incomoda. Por isso é que alguém tem que ser inconveniente o suficiente e puxar a linha do carretel. Hoje essa pessoa sou eu. Vai se rápido e indolor, prometo.
A espera do príncipe encantado
Podem parecer narrativas inofensivas e princesas fofas com finais felizes, mas não são. Crescemos com histórias da Disney que dão recados travessos: viva a vida direitinho, faça por merecer e aguarde, que o salvador (do sexo masculino) chegará e preencherá a sua existência com a alegria e satisfação.

É como se tudo que existisse nesse meio tempo, até a chegada do cavalo branco, fosse menos importante, puro sofrimento (olha a coitada da Cinderella, gente) ou espera (taí a Branca de Neve pra comprovar, dormiu até o cara aparecer). Não existem histórias de autonomia, onde a mocinha aproveita os dias feliz da vida e calha de esbarrar com um alguém igualmente feliz pra construir algo junto, lado a lado, sem relação de necessidade ou uma hierarquia estabelecida. Sobre isso, a Natacha Orestes, feminista e escritora, disse esses dias nas redes sociais:

"As mulheres são educadas para a dependência afetiva. E o afeto é o mais denso limite político que a gente precisa transpor."


Pesado, eu sei. E os desenhos são só um exemplo besta disso.

Têm outros, bem piores. Relações abusivas, agressões, mães solteiras e pais ausentes. Porque às vezes é pelo afeto que a gente hesita, deixa de construir coisas incríveis, se subjulga, se diminui e, muitas vezes, mantém relações de sofrimento.
Quando o príncipe é um espelho do que falta
"Ninguém completa ninguém, as pessoas se somam."  

A gente ouve variações dessa frase boba várias vezes na vida, de tias conselheiras, livros de auto-ajuda e terapeutas. E o recado é bem mais profundo e complexo do que pode parecer.

Autonomia afetiva é um processo longo pras mulheres, que começa a partir de consciência de que essa história não é só sua (é compartilhada por milhares de mulheres ao longo de muitos anos) e segue com uma desconstrução efetiva, dia a dia.

Não é auto-suficiência - ser independente e não precisar de ninguém. Isso nem é possível: somos seres sociais, precisamos desses laços e conexões. Também, não significa ficar sozinha, ser dura e amarga, pelo contrário. Significa romper com a ideia interna de que um outro alguém vai te dar o que parece faltar. Achar base sólida, estabilidade, com seus dois pés e nada mais. 

Numa conversa com a Carol Bertolino pra Comum (facilitadora do programa Cultivating Emotional Balance e estudiosa do tema auto-compaixão) , ela disse o seguinte:

"Talvez, de algum modo, enquanto não saibamos nos oferecer o que desesperadamente precisamos, tentaremos resolver ou obter isso externamente. E essa jogada dificilmente vai funcionar bem."

 
Tá, fala bonita, você deve estar pensando. Mas como eu faço então?

Colocar atenção nisso é um bom começo. Fazer alguns exercícios e práticas também. Sugiro demais essas guiadas pela própria Carol no Soundcloud.


No mais, por uma perspectiva de gênero, é importante entender que autonomia afetiva é liberdade política, possibilidade de exercício real de expressão. E mais do que felicidade nas relações, traz à tona um poder das mulheres, de transformação social profunda.

Nós. Sem príncipes ou cavalos brancos. Porque a liberdade anda a pé, manas.

Bom feriado e até a próxima. ;)
Ps: Pra quem se interessar, estamos preparando textos e vídeos sobre auto-compaixão e autonomia afetiva  junto com a Carol Bertolino, pra Comum. Lá vamos falar bem mais sobre o assunto, exercitar práticas juntas e dividir relatos (no fórum fechado pra assinantes). Também, estamos preparando uma imersão só pra mulheres em agosto, em São Paulo. Se tiver interesse,fica ligada aqui. Se quiser participar da Comum, saiba como aqui. Agora sim, beijos. :)

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