"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

sábado, 26 de março de 2016

Desastre: quando se olha para dentro, mas não olha para fora.

A palavra "desastre" tem uma origem interessante. Ela significa literalmente "sem os astros" (des + aster). Os astrólogos gostam de um possível significado disso: desastrada é a pessoa que contraria a necessidade do momento, que vai contra o significado do momento. Significado este hipoteticamente dado pela posição dos astros.
A crença deriva da ideia de que cada momento tem uma tônica, e que é importante entendê-la olhando para as luzes. Você não precisa acreditar em astrologia para apreciar as implicações da palavra "desastre". Basta pensar que sempre existem sinais que precisam ser observados, e eles podem estar na terra mesmo. Se eu dirijo um carro e não estou atento à luz dos semáforos (e o semáforo é, num sentido mundano, um astro, um luzeiro), o palco do desastre está armado. Se eu olho meu exame de saúde e os astros do exame indicam que meu colesterol está altíssimo, ou eu tomo uma atitude ou me lasco.
Não se trata de olhar pra dentro, mas de olhar pra fora mesmo. "Olhar pra dentro", "seguir sua intuição", tudo isso são frases de efeito bastante valorizadas nos dias de hoje e, digo eu, superestimadas. Quem me garante que quando eu olho pra dentro eu estou tendo um bom lampejo ou apenas sendo vítima de minha própria vaidade e autoengano? Eu posso me achar muito sábio e experiente, mas será que minha intuição sobrevive sem nenhum dado externo? Às vezes eu preciso de dados externos! De astros! Pode ser, como já dei exemplo, um exame de sangue: o hemograma é a constelação de sinais, sinais que me dirão o que fazer, como proceder. Olhar pros astros é admitir: eu não sei tudo. Preciso de referências.
Olhar pros astros não precisa ser olhar para as estrelas e fazer mapa astral. Significa ter uma referência, algo que seja maior que você, que seja anterior a você, que perdure à sua existência. É olhar para além de si, sabendo-se passageiro diante de um mundo maior que você mesmo. Ou até apenas tendo consciência de que não, eu não tenho "todas as respostas dentro de mim", isso é conversa de quem está em surto. Ninguém tem todas as respostas dentro de si.
Alguns têm em Deus e em princípios religiosos seu "aster". Outros se pautam em princípios éticos. Para alguns, os "aster" são as letras da lei. Podem ser dados empíricos. Claro, não há garantia de que o sinal seja certeiro. Alguns "aster" podem estar errados, ou só parcialmente certos.
Triste é quando você não tem "aster" nenhum e segue tão somente seu próprio desejo. A vida vira um breu. Não há nada que você considere maior que você, mais importante que você. Quando se age assim, é a vitória da vaidade. Você se pensa um "aster", e acha que não precisa observar e nem ouvir nada. Você até pode convencer a si mesmo de que está agindo com sabedoria, mas é mentira. Você está agindo por vaidade.
E é aí que surge outra palavrinha grega: a húbris. Sugiro a pesquisa desta palavra, é bem instrutiva e a Wikipedia tem verbetes razoáveis sobre isso tanto em português quanto em inglês. Mas resumo dizendo que é quando alguém ou algo passou da conta. Quando eu, em meu brilho ensandecido, jactante, não sigo mais sinal algum além do brilho das minhas próprias certezas. E o resultado disso, conforme bem aponta Eurípides, o resultado da húbris é a loucura.


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