"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

sábado, 12 de setembro de 2015

Para namorados, namoradas, esposas e maridos


Nos últimos anos vivi e também acompanhei de perto alguns fins e quase-fins de relacionamento. Além dos desencontros logísticos, dores no corpo e perturbações emocionais, há diversas visões bem limitadas que só nos atrapalham -- são como mapas equivocados, mal feitos, que usamos durante o namoro e nessa hora agarramos ainda mais para achar saídas.
Para apontar algumas faces dessa cegueira cognitiva que nos afasta do bom senso e da realidade, melhor do que teorias e argumentos, deixo três exemplos.

Cena de "Lars and the real girl" (A garota ideal)

Exemplo do cozinheiro

Quando dizemos que alguém é um bom cozinheiro (ou empresária, pai, cantora, médico), estamos nos referindo a um ser livre que usa aquela inteligência específica, manifesta aquela identidade sem se confundir totalmente com ela, sem ser levado, comandado por ela.
Imagine um cozinheiro que recebe os amigos e apenas se foca em fazer pratos e mais pratos, sem nunca parar, jogar poker, conversar, ser algo além do cozinheiro. Todo mundo enxerga aquilo como uma espécie de loucura. Pior, quando alguém lhe diz "Acabou a comida, amanhã todos nós vamos almoçar e jantar fora", ele imediatamente começa a chorar e espernear.
Parece um exemplo exagerado, mas é exatamente assim que nos comportamos em um namoro.

Exemplo do namorado surtando

O cara acabou de ver a foto da recém-ex-namorada com outro no Facebook. Eles acabaram há poucos dias. Agora ele se tranca no quarto, começa a esmurrar a parede, gritar e acaba chorando em posição fetal na cama.
Vamos imaginar, para efeito de contraste, que nesse exato momento a recém-ex-namorada surge do nada, bate na porta e se declara: "Eu te amo, eu quero ficar com você".
Nós queremos abraçá-la e voltar a namorar usando esse cara que surtou? É essa base frágil que queremos? Pois é esse o namorado. O namorado não sabe fazer nada além de namorar e exigir que uma determinada pessoa também aja como namorada. Sem esse processo, o namorado quer se matar, ele não sabe o que fazer. É com o namorado que desejamos viver um namoro?

Exemplo do começo de namoro

Gosto muito de investigar processos evidentes com perguntas óbvias. Dessas contemplações às vezes descobrimos dinâmicas profundas. Tomemos agora o que acontece num simples começo de namoro. Quem é que começa a namorar?
O namorado e a namorada ainda não existem no começo. Quem começa a namorar é o ser livre, é aquele que olha a outra pessoa como uma outra pessoa que por algum acaso começou a andar por perto. E é por isso que é tão bom. O frescor não vem da novidade ou da paixão, mas da liberdade, da escolha: "Ele não é nada meu, mas está sendo muito bom ficar perto dele".
E depois o frescor se vai não porque o sexo diminuiu ou a paixão acabou ou a gente precisa de surpresas e novidades, mas porque paramos de ver o outro e começamos a nos relacionar com o namorado ou a namorada.
Quando uma pessoa diz querer namorar, ela na verdade está dizendo "Eu quero ser feliz e acho que pelo namoro será mais fácil". É assim também quando elas não querem mais namorar: "Eu não quero sofrer, eu quero viver bem, de acordo com o que eu acho que seja viver bem, e acho que sem o namoro será mais fácil".
O melhor jeito de se relacionar com uma pessoa livre, portanto, é apoiá-la nesse processo de viver melhor (com ou sem sexo, com ou sem intimidade, morando ou não junto, namorando ou se divorciando), ser um parceiro. Não ser um namorado e tratá-la como namorada, exigindo, checando, negociando, controlando, sufocando sob a desculpa de estar "amando".
Quando fracassamos, surge a vontade de entender os erros e mil promessas e decisões para acertar de agora em diante. Fazemos um grande esforço para ser um namorado melhor, um marido melhor. Mas já sabemos ser bons namorados e maridos. Alguns nem isso sabem, ok, mas isso é fácil, há receitas, é como aprender a jogar futebol: namorar e casar são inteligências específicas.
O que precisamos é direcionar essa disposição para sermos melhores pessoas e parceiros, não namorados e maridos. E saber manter nossa liberdade ao operar com inteligências em mundos específicos (sem fazer disso uma prisão). Fazer isso não é nada fácil pois precisamos compreender a realidade, trabalhar com nossas emoções e visões, realmente transformar corpo e mente. Em vez de focar em negociar detalhes da relação, precisamos focar em nossas próprias vidas.
E isso leva tempo, não é algo que se resolve, é um aprendizado de uma vida que precisa começar o quanto antes.

Mais

Os momentos de crise, sofrimento, abandono, traição, fim, desencontro, confusão são excelentes para evidenciar as bases de um relacionamento, além de nossos enganos cognitivos e fixações emocionais.
Para aproveitar ainda mais esse precioso caos, estamos preparando um livro.

Quer colocar isso em prática?

Para quem está cansado de apenas ler, entender e compartilhar sabedorias que não sabemos como praticar, criamos o lugar: um espaço online para pessoas dispostas a fazer o trabalho (diário, paciente e às vezes sujo) da transformação.
Seguimos o papo nos comentários.

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