"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Pensar em termos de certo e errado nos deixa burros

Como o pensamento binário pode empobrecer sua vida

Um amigo querido se aproxima cabisbaixo e diz:
-Minha mãe morreu…
-Poxa, cara, que errado isso — você responde.

Corta para outra cena. A amiga se aproxima eufórica:
-Meu bebê nasceu!!
-Nossa, parabéns, que coisa mais certa!

As respostas geraram estranhamento em você, ok? As palavras certo e errado, quando bem aplicadas em contextos matemáticos parecem dar conta de muitas equações, mas quando saímos da esfera das ciências exatas ou dos tribunais sua utilidade começa a perder força.
Se nascimento e morte não são errados ou certos, o que acontece durante a vida também não.
Meu relacionamento deu errado…”, confesso que tenho dificuldade ao ouvir essa frase sem me coçar e olhar com carinho para quem falou. O que estaria errado em duas pessoas perceberem que agora possuem novas visões, desejos e aspirações que se tornaram incompatíveis no convívio?
Eu consigo entender o motivo pelo qual tentamos colocar a vida em caixinhas tão restritas, pois ao categorizar a vida em termos de certo e errado estamos manobrando nossa mente para um exercício de escolha supostamente mais preciso ou prático.
Se você coloca um post-it mental sobre um evento escrito “errado” esse comportamento entra para a categoria daqueles que devem ser evitados. O problema é que isso não encerra a história.
Fazemos com os outros esse tipo de coisa
É como se a mente separasse os acontecimentos da mesma maneira que os primatas dividiam as plantas em venenosas e comestíveis para garantir a vida.
O grande problema é que se essa tentativa de desenvolver sabedoria parece funcionar em situações mais corriqueiras e simples, mas certamente fracassa quando a questão em jogo é mais complexa. Um caso prático ilustrará esse ponto.
Luana passou a vida toda se submetendo cegamente às ordens dos pais, dos professores, dos amigos, dos namorados e fez escolhas sempre muito condicionadas pelos desejo dos outros. Após ter seu filho, como todos esperavam, ela começa a conversar de modo mais próximo com seu concunhado, casado com sua irmã. Essa relação se estreita na medida que ele parece mais preocupado com o bem-estar dela do que faria o próprio marido, que sendo bem honesto, nunca se preocupou efetivamente com ela. Essa bem querência familiar ganha um colorido erótico, e entre uma mamadeira e outra o desastre acontece, um beijo "errado" acontece. Se um paparazzi tivesse flagrado a cena a manchete seria óbvia: “mãe desnaturada e safada coloca chifre no marido dedicado com o cunhado putanheiro”. Ponto final, caso encerrado, não há mais nada sobre o que pensar sobre aquilo, ela é errada, fim de papo.
Para quem acha que minha argumentação descambará para a liberação dos “maus costumes” é preciso um alerta, sua mente já está usando a classificação de certo e errado.
A classificação certo-errado já não ajuda aqui e implica certa simplificação da vida. Esse empobrecimento do olhar poupa cada um de nós de olhar as várias esferas subliminares da vida. Existem muitas histórias dentro de uma história aparentemente óbvia, os personagens que a compõe tem sua maneira de entender tudo o que aconteceu.
Quantas considerações lindas poderíamos fazer sobre essa situação sem cair num maniqueísmo tolo? Quantos sentimentos represados, quanto silêncio, quanta amargura, quanta esperança contida, quanta cumplicidade estranha no meio da aparente união familiar, quantos medos, quantos sonhos libertados e abafados, enfim, quanta vida nesses descaminhos. E nós tentando reduzir tudo em termos de certo e errado. A conta não fecha.
Ao usar um pensamento diferenciado, que considere sentir (mais do que pensar) para além do certo e do errado, parece nos faltar novos parâmetros.
"Poxa, Fred, e agora, o que eu uso para detonar as pessoas?"
Má notícia, se quiser escapar da cilada do certo e errado será forçado a não etiquetar confortável e preguiçosamente as pessoas e situações. Nesse cenário ficaremos perdidos, sem uma bússola moral binária para nos guiar, e isso irá implicar uma forma artesanal de pensar o mundo, sem simplificações.
Essa liberdade de pensamento será mais angustiante, pois não conseguirá pensar sobre algo sem se colocar no contexto, sem empatia verdadeira. Você não conseguirá jogar tomate nos outros sem estar implicado, pois sem apoiar seus pensamentos e desejos em grande colunas moralizantes ficará exposto ao seu próprio mundo interno.
Eu, você, todos nós estamos assim
Ao aposentar esse pensamento simplificador talvez perca o currículo moral “intocável”, e talvez já não será o cidadão de bem “acima de qualquer suspeita”.
Para avaliar além do certo e do errado sua própria moralidade está em jogo e você precisa avaliar a si mesmo honestamente em cada análise feita.
Quando você tolera que o outro seja feliz nos seus descaminhos isso pode cutucar seu próprio desejo de fazer o mesmo. É perturbador.
Ao enterrar a vida do outro nessa sepultura moral nós também nos poupamos do medo de ver nossos sonhos e desejos ganhando espaço.Matamos o desejo do outro para que o nosso fique enterrado também.
Eu estou com Rumi, poeta persa, quando disse:
“Para além das ideias de certo e errado, existe um campo. E eu me encontrarei com você lá”
Vamos brincar um pouco nesse lugar que vai além do certo e o errado?

Essa é a minha carta de intenções para esse espaço aqui no Medium.

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