"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

terça-feira, 25 de agosto de 2015

“Eu vou fazer diferente!”

O que acontece quando uma boa intenção vira uma maldição
Por Frederico Mattos
Você já deve ter ouvido essa frase vinda de um filho ressentido, de alguém que critica a política ou de um funcionário que gostaria de ser o CEO da empresa.
O problema que essa frase carrega é a carga emocional colocada num determinado comportamento como se tudo o que tivesse envolvido nele fosse essencialmente descartável.
Talvez um exemplo esclareça esse ponto.
Um rapaz que atendi no consultório tinha sérios problemas de relacionamento com seu pai que era um homem genioso, arrogante e muito rico. Em certo momento esse jovem resolveu romper relações com o pai, divorciado de sua mãe, afirmando “vou fazer diferente”. Como associou a arrogância e frieza do pai com o dinheiro culpabilizou a questão financeira como a causadora do mal-estar. Ele nunca se questionou se esse comportamento era anterior à fortuna e se havia uma causa direta entre uma coisa e outra ou só uma correlação temporal.
Ele passou a agir como um verdadeiro asceta, rejeitava todo tipo de permuta financeira, adotou hábitos frugais e parecia ter dificuldade em lidar com trabalhos formais que evidenciassem qualquer relação de hierarquia. Filosoficamente ele parecia ter escolhido um caminho de escolha saudável por valores minimalistas e simples.
A verdade é que ele nunca fez essa escolha, mas sim seu ódio ao pai que o fez. Ele, sem perceber era guiado por um ódio reverso, aparentemente nobre e humilde, mas secretamente passou a julgar todas as pessoas por causa de tanta ganância capitalista. Se tornou um irascível militante de qualquer causa anti-dinheiro.
Ao ouvir qualquer pessoa falando de sonhos internamente debochava e pensava: “vendido”. Ele odiava o pai em todas as pessoas e suas relações com o dinheiro.
Ironicamente acabava se colocando em situações financeiras embaraçosas até que a mãe recorria ao ex-marido para ajudar seu filho. Quando ele descobria isso aumentava seu desprezo pelo pai, mas também por si mesmo. Quando se olhava no espelho acreditava cegamente que agia na contramão paterna, mas aos olhos dos demais ele era uma versão hippie da prepotência que tanto rejeitava.
Christopher McCandless morreu em 18 de agosto de 1992 em sua busca pessoal por não ceder aos comandos do pai. Pode parecer bonito no filme, na prática nem sempre é.
Essa história ilustra os caminhos estranhos de lealdade que a mente desenvolve quando “escolhe” odiar algo ou alguém. O ódio é um tipo de auto-repulsa terceirizada no outro, afinal detestamos nos outros aquilo que apodrece dentro de nós. O ódio é uma engrenagem da mente para se proteger daquilo que não pode ser admitido sem que se pague o preço alto: perder uma autoimagem idealizada.
Então a pessoa passa a vida inteira militando numa causa, impelida por ódio, simplesmente por negligenciar em si uma parte que age da mesma forma (inversa) daquilo que odeia. O ódio é um caminho menos habilidoso de evitar uma mudança real, você apenas rejeita e não se aprofunda naquele conflito.
“Estou gritando contra uma coisa que tenho medo de já ser”
Estranhamente, quando uma pessoa reconhece em si aquilo que condena no outro parece haver um tipo de alquimia em que o impulso original (e terrível) ganha um espaço de vitalidade.
Ao reconhecer sua ganância uma pessoa pode usar essa força de realização como uma poderosa ferramenta de transformação, pois na essência a ganância é um motor que pode construir algo se não se perder nos caminhos do egocentrismo.
Do mesmo modo o medo se torna um revanchismo ou uma paranoia quando poderia se transformar num caminho de consciência das próprias fragilidades.
Fazer diferente, portanto, está bem longe de ser uma inversão cega de contra-valores binários [leia mais aqui]Para mudar de verdade você precisa caminhar de mãos dadas com aquilo que quer se diferenciar para não perder de vista o quadro geral e garantir uma dose de aceitação, humildade e sabedoria com o que é diferente.

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