"Gostaria de não saber destes crimes atrozes... É todo dia agora, e
o que vamos fazer? Quero voar pra bem longe, mas hoje não dá! Não sei o que
pensar e nem o que dizer:
Só nos sobrou do amor A falta que ficou." (R.R.)
Triste paradoxo, então: Quando mais funções a
exercer, exigências a cumprir e extenuantes horários de trabalho – menos
produzimos para a Vida, menos criamos, menos integramos os vulneráveis - que
são esses "outros" que vivem de catar nossos dejetos, de recolher o
desperdício de nossos desejos, de tirar da nossa frente a sujeira que deixamos
pelo caminho obstinado de viver em concorrência, comprando o que não
precisamos, com o dinheiro que não temos, para exibir para os que não gostamos!
Você me dirá: "Não sou alienado não.
Ao contrário, sou antenado. Sei de tudo!"
Pois é, essa é a primeira geração de seres humanos
que sabe de tudo e de todos, e, contudo, no máximo sente afliçõeszinhas
passageiras com noticiários diários da urbanidade desvairada.
Sentir angústia ficou coisa fácil.
Difícil é fazer alguma coisa mesmo!
Anda todo mundo aflito com tudo, mas pouca gente se
mexendo para algo. Um mundo de "ainda sensíveis" seres que nada fazem
com o que sentem!
Anda todo mundo preocupado com os destinos de tudo,
mas isso não vale mais que uma conversa de bar; é so um assunto
"corta-tesão"! "Deixa pra lá... O Obama vai resolver, o
"pré-sal vai solucionar!" - e coisas desse tipo.
Quanto mais informação, mais desinteresse... Essa
que é a verdade factual. Assistimos a calamidade dos muitos mundos ao nosso
redor pela telinha que faz tudo ficar longe; e o fazemos como quem ouve o
relatório de uma Ata. É ouvir, aprovar e guardar... Vamos para casa dormir,
daí.
Quem tem temperamento mais melancólico chega até a
chorar; e chorar o alivia e pronto. Ajuda a rir no dia seguinte, quando tudo já
foi esquecido. Chorar, portanto, já não significa muito coisa...
Eu trabalho o dia inteiro. Sou filho
desse tempo. Também não tenho tempo. À noite, brinco com meus filhos, abraço
minha mulher e leio um livro qualquer dentro do meu lar-prisão, da minha
casa-bunker. Na clínica, enquanto atendo gente a cada meia-hora, ainda respondo
dezenas de emails e telefonemas o tempo todo. Faz tempo não sou
dentista, virei "gentista"! Foi sem querer. Eu só queria ser
um bom profissional, mas as pessoas cheias de dor e mudas, vieram ao
consultório acompanhadas de suas bocas (eu só queria suas bocas), e passaram a
falar e falar...
Além disso, faço uma tese aqui, publico
artigos científicos bobinhos ali e dou aula acolá...Viajo o Brasil todo!
Inquieto como é minha geração, eu cuido
da vida de "sonho americano". Corro atrás do pão nosso de cada dia.
Do pão, da pizza, do ar condicionado e da melhor escola da cidade! – esses são
meus cuidados. Cuidados de um cidadão que paga impostos contrariado!
De uns quatro anos para cá, todavia,
minha vida ganhou uma nova dimensão de atuação que me deu saúde em meio às
tensões do dia-a-dia. Eu que já flertava com as águas que Deus move, agora
mergulhei de cabeça mesmo!
Eu me meti a ajudar gente. Estender o braço. Dar
força ao cansado. Prover dispensas e encher geladeiras.
Eu me atrevi a sair da minha zona de conforto, me
atrevi a dividir cargas e dar o que Deus me deu!
Todo dia alguém me pergunta: Você não cansa?
Canso. Mas não com isso. Solidariedade não
cansa. Fraternidade renova as forças do Ser.
Abri em Santos (São Paulo) um centro de palestras.
Tenho um auditório dominical. De lá eu prego o que creio. Arranjei uma Causa
pela qual viver e morrer. Sartre já dizia que sem uma causa para morrer, a
gente não consegue viver! Então, desse lugar (em especial) eu anuncio o
Evangelho – proposta de saúde humana integral: Perdão para a alma culpada, Pão
para o corpo fraco, Afeição relacional para o espírito solitário. E isso que é
o Evangelho.
Abri em Santos um espaço secular. Tão
secular como secular é o próprio Evangelho! Feito para o mundo e ao alcance de
todo homem! Secular porque não-religioso. Secular porque fala com o mundo com a
linguagem do mundo! E só não entende quem não quer, só não entende quem odeia o
amor!
Secular, principalmente, porque não
acredito em religião. Não acredito na representação de Deus na Terra, nas
agências oficiais, exclusivas.
Não abomino e nem desprezo a história
de gente da religião que mudou a história de gente sofrida.
Só não acredito que a força das
megas-religiões seja a força de Deus no mundo! Deus é anônimo, Deus é marginal.
Deus é carpinteiro, Deus não é marqueteiro!
Por isso, não acredito que a "prestação de
serviços espirituais" presta pra alguma coisa que vá para além das
formalidades de batizar, casar e enterrar seus súditos discípulos culturais.
Além disso, o que se vê - é ninguém me poderá contradizer - é só extorsão por
parte dos mercadores da fé e dos corretores das bolsas de valores espirituais.
Há também a outra turma: O pessoal "do bem" que "pensa" a
Fé e que quer dar VIDA ao que nasceu morto: o cristianismo e suas ramificações
dissidentes! Aí ficam fazendo ressuscitação cardio-pulmonar em múmia! Tanto por
tão pouco! Muito por nada!
Eu juro que presto atenção no que eles dizem, mas
no fundo eles não dizem NADA, NADA, NADA, NADA, não!
Teologia me dá nojo! Eles discutem "Deus"
enquanto o problema é o "homem". Eles refletem sobre o fim do mundo
enquanto "o futuro é o presente; e o presente já passou!"
Já cansei também do sindicato anti-evangélico...
gente abusada por um padreco aqui e "dizimada" por um bispo universal
ali... O pessoal que fala pelos cotovelos contra a "igreja", mas não
se mexe para NADA! Cansei dos caras que mandam os chefes da religião para o
inferno, mas não vão até lá buscar os que nele vivem! Viciaram-se em criticar,
descer o cacete na cabeça dos pastores milionários e dos padres pedófilos,
enquanto engordam as próprias contas bancárias e zapeiam de madrugada por
canais eróticos e sites pornôs!
É lógico que meu "canteiro de esperanças"
chamado ESTAÇÃO do CAMINHO (www.caminhoemsantos.blogspot.com)
quer todo dia virar "igreja" (no pior sentido do termo: lugar de
cultuar a sorte de possuir uma espécie de blindagem comunitária contra tetos
que caem na cabeça do pessoal que não fica debaixo da nossa cobertura
imantada!).
Sim, nesse meu espaço de encontro do Evangelho com
a secularidade, a tentação dos infernos todo dia me propõe virar
"religião" (e isso também no pior sentido do termo: "vamos
fazer uma cabana aqui mesmo e ficar aqui dentro com as grandes figuras do
panteão judaico-cristão, onde, de modo algum, NADA nos acontecerá!").
A proposta da religião é o chamado à alienação da
solidariedade! É o chamado covarde para dentro de uma Nave-Mãe, um Templo
Maior, uma Catedral de Cristal, um Vaticano - Estado ideal, a Arca de um Noé
que vai assar um bicho por dia durante o dilúvio de iniquidades desses dias
chamados "maus".
Não falo só de alienação social. Não sou marxista
não. Percebo que o pessoal sofre da alien-ação no pior sentido. Se tornaram uns
"aliens" mesmo: É uma ânsia de ser diferente só pra ver se Deus
poupa a gente dos holocaustos que fritam diariamente toda gente! O crente, de
um modo geral, é um "alien" sim! Ele pensa que não tem compromisso
com esse chão maldito, já que "não é desse mundo". Daí sua motivação
ser alienada e egoísta, pois o indispõe a cuidar de uma Terra cheia de áfricas
órfãs e viúvas trabalhando até morrer de exaustão! Ou o fará somente se os tais
"venderem" suas almas à cartilha por eles pregada em cruzadas
assistencialistas, num verdadeiro "veste-índio colonizado" dos tempos
modernos.
Parece que nunca ouviram dizer que, no final, Ele
dirá a quem amou: "Quem deu a algum dos Meus pequeninos, a Mim me
deu!"
Minha esperança é a esperança de um peregrino, de
um forasteiro existencial, de um cara de passagem que enquanto passa, não quer
deixar passar a chance de "SER" na direção do outro que "É"
como eu, entretanto, sem as oportunidades e favores que eu mesmo tive! É
simples assim.
E, ou será assim, ou eu é que deixarei de
"SER"!
É por isso que não organizei departamentos e
ministérios intra-muros nessa Estação-Espaço Comunitário. Senão, daqui a pouco,
estou eu envolto com a agenda frenética de jantares de confraternização, de
noites de caldo verde, sorvetadas e vida de clube! Senão, daqui a pouco, estou
eu envolto com a escala de músicos, com o registro de atas, com as classes de
catequese, a pintura da fachada e a decoração dos gabinetes sacerdotais como
quem pensa, com tudo isso, estar fazendo toda a Obra de Deus
na Terra! – num "chamado" para dentro do umbigo institucionalizado!
To fora! Fora. Bem fora! Lá fora. Debaixo do sol de
Samaria e da Baixada Santista!
O movimento "Caminho da
Graça" quer ser contemporâneo? Quer responder às demandas reais desse
tempo?
Então, vamos para fora! O
"Sacrifício" foi lá fora dos portões da cidade da Religião.
Apadrinhem crianças, adotem ONGs, se incluam nelas, organizem a assistência,
para atingirem o máximo de desafortunados possível. Tem ONG (termo genérico)
cuidando de crianças drogadas, de pequeninos hospitalizados e de
jovens-sem-futuro.
Ora, preguem o Evangelho do Amor, e se
necessário for, usem até palavras. Mas, enquanto fazem discursos, fomentem
recursos humanos e materiais na direção daqueles que já realizam um trabalho de
vossa confiança, como temos aqui na minha região:
Isso é pouco? Sim, quem dera fosse mais. Com você
junto, quem sabe, seria mais.
Só é alguma coisa porque é melhor que o NADA que a
maioria faz!
São as coisas que me cabem hoje. Amanhã será
depois. São iniciativas conduzidas por gente que eu confio, que eu amo e
admiro! Gente que não ganha nada com isso, que não tem ONG-fantasma
e nem intenção política. Gente que escolheu ser gente de Deus. Gente que senta
para me ouvir domingo à noite, mas depois levanta como quem ouviu o soar do
gongo no ringue.
Porque agora já virou uma questão
de escolha.
Eu escolhi.
Ora, dentro desse texto rápido qualquer
psicanalista identificará as feridas que me feriram e dirá que é tudo
sublimação.
Whatever! Vou
curar minhas feridas drenando abcessos alheios.
Já faço isso há muito tempo. Meu alívio
é ver o alívio do outro.
Vem comigo, por favor.
Marcelo Quintela
Fonte: http://www.caiofabio.net
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