"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Quanto o universo me paga para não estar no facebook



Paulo Brabo, 28 de abril de 2013


Duas advertências: [1] sou tão superficial quanto qualquer um; [2] claro que um dia vou capitular: claro que um dia vou fazer parte da rede social mais popular do planeta.
Isso não muda o fato de que o universo me paga, dia após dia, para não ceder ao Facebook. Falo, é claro, do universo offline do café com bolo de fubá, da travessia de ferryboat, da casa alugada na praia, do bolinho de carne seca comido no bar, de esperar que o amigo saia finalmente da sala de desembarque, da cortesia na fila do correio, das pessoas que imprimem livros e das que os compram, das ruas de Morretes, dos últimos pastores de ovelhas da Itália, da velha senhora que é tia de alguém e que mora sozinha entre morros arredondados no interior de Minas Gerais e faz a própria farinha de milho num monjolo movido a córrego.
Incrivelmente, esse universo me veste, me alimenta, faz água cair do céu e faz o vento varrer meus cabelos no alto da montanha como num comercial de shampoo. Ele me manda livros, cartões postais, chocolate e batata frita, e me massageia lascivamente as costas na cachoeira. Como um apaixonado que não se sabe moderar, o universo me manda gente que me oferece café, que me faz comida, que me chama de irmão, que me toca a mão, que me ouve chorar, que se maravilha com as mesmas coisas, que dorme comigo, que colhe comigo cogumelos, que me presenteia com CDs, que me serve chá de capim-cidreira, que me traz garrafas de bom vinho, que me dá flores.
Dia após dia, em todos os seus dialetos, o universo me repete uma mesma frase: pegue o que você precisar.
“Brabo,” o universo me diz, “pegue o que você precisar”.
Ele pede uma única coisa em troca, e o que ele pede é tremendamente exigente: que eu continue a desejar aquilo que considero desejável.
É claro que o mundo de abraços e de café e de pura conexão entre as pessoas que desejo não existe fora da minha cabeça, mas repito: o universo não cessa de me pagar para continuar sonhando com ele. E é com essa propina que ele vai me impedindo de desejar o Facebook.
O Facebook sabe que é com frequência difícil para mim estar onde estou, e ele quer me confortar com a impressão de que estou em outro lugar. O Facebook sabe que às vezes é difícil para mim estar com quem estou, e ele quer me confortar com a lembrança de que tenho conexões muito reais em outro lugar. O Facebook sabe que muitas vezes não tenho paciência ou coragem de mover-me de onde estou para onde gostaria de estar, e ele quer me confortar com a sensação de ter transposto a distância.
Meu desafio pessoal mas antigo foi sempre experimentar a realidade sem subterfúgios: estar onde estou. A solução, quando há, sempre foi mover-me para onde não estou.

O Facebook me convida incessantemente a fazer o contrário: a não estar onde estou e a não mover-me para onde não estou – e seria talvez mais fácil ceder ao convite se ele não forçasse a barra chamando essa doce imobilidade de conexão. Naturalmente, é precisamente essa modalidade de conexão aquela que quero, e talvez seja a única que experimento. Como tudo mundo, quero observar a beleza do universo sem comprometer-me com seus desafios; quero admirar gente de longe sem ter de pagar os riscos de uma rede viva e complexa de relações. Minha vida seria mais fácil se os cofres do coração não transbordassem daquilo que o universo me dá cotidianamente para continuar a não considerar essa condição (veja aqui o comercial) como desejável.

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