"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A raiva recalcada das mulheres

Adriana Tanese

Sonia estava numa relação marital assexuada e fraternal. Ambos não queriam se separar e achavam a relação que tinham aconchegante e segura. Foi assim até o dia em que o marido arranjou uma namorada. Direito dele pois, afinal, eles viviam como irmãos. Mas Sonia perdeu o sono, ficou desesperada, temeu pelo seu futuro. Não teve porém coragem de enfrentar o amadurecimento que a situação requeria já que relação de irmãos e casamento não combinam, ainda mais quando se tem 40 anos. No lugar de lidar conscientemente com o desafio que a vida lhe lançou, Sonia preferiu tomar pílulas calmantes. Passou a ficar com muito sono. As crises de ciúmes e de desespero sumiram, mas seus ombros latejavam de queimação, como o pêlo eriçado de um cachorro bravo...


Ângela parecia estar de bem com a vida, trabalhando duro para manter unida a família e fazendo tudo funcionar. Casada com um homem que ela considerava muito inteligente, ela havia criado dois filhos dele do primeiro casamento do marido e finalmente havia conseguido teu o seu próprio com ele.  Não se sentia valorizada mas estava, de alguma forma, acostumada com isso. Ela havia sempre se sentido assim, inclusive antes de conhecê-lo. Sua auto-estima não era das melhores. Ângela era durona, às vezes berrava, mas considerava que tudo estava "em ordem"... fora o fato de seu filho ser muito agressivo, e aparentemente “sem razão”.

Juliana, após um ano e pouco de dedicação exclusiva a uma relação complicada mas interessante, é repentinamente deixada pelo namorado. Eles pareciam feitos um pelo outro, mas o moço era menos "mocinho bom" do que parecia. Voltou para a esposa da qual não estava apaixonado e pela qual não sentia atração sexual alguma. Rompeu com Juliana com quem tinha enorme intimidade e cumplicidade, e se mudoue de cidade. Ela tentou salvar a relação. Falou, implorou, chorou. Em vão. Finalmente, uma urticária no peito e nas costas tomou conta dela, queimando e ardendo (e nenhum remédio resolveu)...

A raiva das mulheres é um tema que vale desenvolver porque existe um escandaloso preconceito que condena a mulher a ser boazinha. Quando o mundo inteiro está lhe dando tapas na cara, o que ela faz? Engole e "aguenta firme". Quem sabe, talvez, ela acha que assim se garante um lugar no paraíso...?

Uma vez recalcada, a raiva é somatizada no corpo. E faz mal, provoca doenças, encurta vidas e inferniza os dias. E para que? Por fidelidade a um estereótipo que condena a mulher a ser “boa”. O preço disso é desenvolver um vulcão interno que há muitas gerações de mulheres está sendo sufocado, e que dá medo só de pensar.

A solução  a este problema não pode ser simplificada. Não se trata simplesmente de expressar a raiva em explosões emocionais, apesar de que, às vezes, esse possa ser um começou de conversa. Antes de mais nada, é preciso se conscientizar dessa raiva. A somatização ocorre somente naquelas mulheres que insistem em serem "boazinhas", "cristãs" e "civilizadas". Muitas vezes, são mulheres que não percebem quanta raiva e dor têm acumulado no peito, na cabeça, no útero, nas mãos, nas costas.

O raciocínio falacioso que essas mulheres usam é: "Se ele é ruim, eu não posso ser igual". Mas não é bem assim. o foco não é ele. O foco é ela. O que ela realmente sente? O que ela precisa fazer para fazer jus a si mesma? Não se trata de ser como ele, mas de ser integralmente si mesma.

A raiva deve ser, em primeiro lugar, reconhecida e aceita: "Estou com raiva", "Estou com muita raiva", “Estou furiosa!” Não há julgamentos aqui, só a constatação de um fato. É normal sentir raiva quando somos feridos, traídos, e enganados. A raiva é a emoção da auto-preservação. Muitas mulheres acabam caindo em profundas e longas depressões porque mataram a raiva saudável que as teria levado a tomar atitudes positivas para salvar suas vidas. Elas se castraram, impedindo-se assim de tomar as iniciativas fortes que precisavam tomar. Cortaram suas línguas antes de falar qualquer coisa "feia". Amputaram suas mãos antes de fazer algo "do qual possam se arrepender".

Em seguida, a raiva precisa encontrar um espaço mental dentro de nós para que ela possa se expressar. Usando a mente como uma tela, projetemos nela as fantasias e os "pensamentos" da raiva. Quais  serim suas ações? Observemos então: o que a raiva tem a lhe dizer? E, sobretudo, quem está falando através da raiva? Muitas vezes, a raiva é a voz do eu interior que foi pisado e exige dignidade e respeito. A raiva pode representar o clamor interior por justiça. Quem vai fazer essa justiça? O espírito santo? A pomba gíria? Ou a própria pessoa que sofreu a injustiça? Justiça não é vingança, mas conserto, endireitamento. Afinal, não queremos um mundo melhor?

Juliana fez o exercício da raiva que acabei de descrever e ela disse: "Queria bater nele como sovar pão." Que fantástica imagem! Pão bom é pão que foi sovado muito, não é? É sovando a massa que o pão fica fofo, gostoso e perfeito para o paladar. Isto quer dizer que os conflitos (as sovadas) podem ser usadas de forma positive. As cozinheiras de uma vez tinham braços fortes e determinados. Relacionamentos construtivos requerem braços fortes, determinação para o trabalho que a relação exige. Só assim, se pode transformavam uma papinha pegajosa e sem graça num pão delicioso. Até parece um ato de amor...

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