"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

domingo, 7 de abril de 2013

Uma opção mundial - Ivan Illich



O mundo se uniformizou numas quantas décadas. As respostas humanas aos acontecimentos de todos os dias se tornaram standard. Embora os idiomas e os deuses ainda pareçam diferentes, a gente se une todos os dias à admirável maioria que marcha ao compasso do mesmo tambor.
interruptor de luz, junto à porta, substituiu as múltiplas formas como antigamente se acendiam os fogos, as velas, os candeeiros. O número de pessoas que ligam interruptores de luz triplicou no mundo em dez anos; o fluxo de água e o papel se converteram em condições essenciais para aliviar os intestinos. 

A luz que não provém das redes de alta voltagem e a higiene que exclui o papel higiênico vêm funcionando como medidores da pobreza de milhões de pessoas. A intromissão, sopotorífera às vezes, opaca outras, dos meios massivos de comunicação, penetra muito profundamente no bairro, no povoado, na sociedade, na escola. Os ruídos emitidos pelo locutor e os anunciadores de textos programados pervertem diariamente as palavras de uma linguagem falada, transformando-as em tijolos de mensagens em pacotes. Para que os nossos filhos hoje tenham a possibilidade de brincar num ambiente em que uma de cada dez palavras que ouvem lhes seja dirigida pessoalmente, eles devem estar isolados ou afastados no tempo, ou melhor, devem converter -se em marginais opulentos aos quais se proporciona cuidadosa proteção. Em qualquer parte do mundo pode-se notar um rápido enquistamento da aceitação disciplinada que caracteriza o auditório, o cliente, o comprador. A padronização da ação humana vai-se estendendo.

Torna-se evidente agora que o problema crítico que a maior parte das nações enfrenta é exatamente o mesmo: ou bem as pessoas se converterão em cifras de uma multidão condicionada que avança para uma dependência cada vez maior — e enfrentarão, portanto, batalhas selvagens para obter um mínimo das drogas que alimentam os seus hábitos — ou bem encontrarão o valor que é a única coisa que pode salvar no pânico; ou seja, manter -se sereno e buscar em torno outra saída que não seja o óbvio já marcado como saída. Entretanto, muitas pessoas às quais se diz que os bolivianos, os canadenses, os húngaros enfrentam todos a mesma opção fundamental, não só se sentem atingidas como também se ofendem profundamente. A idéia lhes parece não apenas louca, mas chocante. Não alcançam detectar a analogia nesta nova degradação amarga que vai permeando a fome do índio do Altiplano, a neurose do trabalhador de Amsterdã e a cínica corrupção do burocrata de Varsóvia.

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