"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

domingo, 31 de março de 2013

Enlouquecidos pela Religião

É estranho como alguns fatos parecem me perseguir. Ontem eu estava no camelódromo da Uruguaiana, um conhecido centro de compras popular, no Rio de Janeiro. Eu estava comprando um carregador para celular e, enquanto eu negociava com o vendedor, comecei a ouvir uma conversar mais exaltada vinda do stand de vendas que ficava em frente. Neste primeiro momento, era possível ouvir algumas palavras familiares sendo pronunciadas com certo medo, entre elas: Deus.
Quando terminei de comprar o produto, pude entender melhor a cena. Um homem alto e magro, na casa dos seus trinta anos, vestindo bermuda, camiseta e chinelo, segurando um cigarro recém-comprado, discutia calorosamente com a vendedora do stand, que era uma tabacaria. Pelo que percebi, a vendedora, que parecia ter certa intimidade com o cliente, havia estranhado o fato de ele estar comprando um cigarro, já que o mesmo, em tempos passados, havia entrado para uma igreja e abandonado o vício.
Ao ser questionado, o homem foi tomado por um grande assombro, parecia transtornado, enlouquecido, fora de si. Ele começou então a dizer repetidamente, em alta voz, de modo atropelado: “Eu fui pra igreja, mas não consegui abandonar o cigarro. Eu fiz Jejum, orei no monte, fiz tudo que eles mandaram, mas não adiantou nada, estou do mesmo jeito, até pior”. Ele foi interrompido pela vendedora da tabacaria que citou para ele um clichê evangélico extraído de um antigo hino: “Mas está escrito: ‘Eu venho como estou’”.
Neste momento, o transtorno do homem cresceu exponencialmente. O pavor era transparente em seus olhos. Então ele começou a dizer: “Eu fui como estava, mas agora é pior porque eu sei os estatutos de Deus e estou fazendo o que ele não gosta. Deus vai me castigar e agora vai ser muito pior”. A garota da tabacaria retrucou: “Mas Deus é amor”.
O homem caminhou rapidamente em direção à garota, apontando o dedo, quase gritando: “Deus é amor, mas também é justiça. Ele é um fogo consumidor. Agora ele vai me castigar, vai acabar comigo. Eu não tenho desculpas, mas não tem jeito, eu jejuei, fui ao monte, eu fiz tudo, mas não consegui. Vai ser pior agora. Vai ser pior agora”.
O rapaz deu uma tragada profunda em seu cigarro e saiu apressadamente pela rua, transtornado, repetindo suas últimas palavras: “Vai ser pior agora”.
A cena ficou gravada como um filme em minha mente e, enquanto eu caminhava em direção à estação das Barcas, fui fazendo algumas reflexões.
É extremamente ruim o que boa parte das igrejas anda fazendo com as pessoas, pois ensinam um conceito de Deus que mais adoece os homens do que trás cura. Ensinam um Deus impossível de se relacionar. Um Deus que está lá longe e precisa ser agradado a qualquer preço, pois caso não seja agrado não se fará de tímido na hora de castigar e punir. Falam que Deus ama, mas ama condicionalmente. Ama aqueles que fazem tudo direitinho, tudo certo, que cumprem todos os mandamentos, tantos os da bíblia como os inventados pela religião/tradição. Neste sentido, Deus se torna a própria personificação do mal, do pavor, do medo, pois ninguém faz tudo certinho. Aquele pobre homem sentia um pavor louco de Deus. Ele cria em Deus, mas estava esperando apenas o momento em que Deus o sentenciaria, sem dó nem piedade, por conta do seu cigarro, dos seus vícios. Pobre alma atormentada por um arquétipo divino inventado pelos homens.
Já faz um tempo que, no alto das minhas crises com a igreja institucionalizada, eu cheguei a pensar que seria melhor não levar mais ninguém para igreja, pois as igrejas estavam deixando as pessoas piores do que antes. Hoje, não penso de maneira tão radical, mas não sai da minha cabeça que para muita gente era melhor nunca ter conhecido ou entrado em determinadas igrejas. O homem em questão é um exemplo. A igreja o enlouqueceu, o transtornou. Ele anda pelas ruas com medo e pavor, pensando que Deus está de tocaia em cada esquina ou poste esperando ele passar para acertar as contas.
medo1Alguém pode dizer que este homem é uma exceção. Eu digo que é uma exceção comum que está virando regra. Tenho encontrado com diversas pessoas com os mesmos sintomas, os mesmos medos, os mesmos pavores, mas só que em menor escala. Os hospitais psiquiátricos estão abarrotados de loucos religiosos. Encontro pessoas apavoradas porque faltaram um culto, uma vigília, porque deram menos de 10% de dízimo em um mês. Encontro pessoas que cometeram um erro e não conseguem se livrar da culpa, não conseguem sentir o perdão e a cura. E os líderes ainda colaboram para o transtorno , já que vivem dizendo: “Quem perdeu o culto tal, perdeu a bênção”, “Quem perdeu a vigília, perdeu a bênção”, “Quem não deu o dízimo não vai ser abençoado”. E por aí vai. Recursos mesquinhos para encher templos, mas que podem causar grandes problemas no relacionamento das pessoas com Deus.
O clichê evangélico usado pela vendedora da tabacaria – “Eu venho como estou” – deveria deixar de ser um mero clichê para se tornar uma realidade experiencial da igreja. Na verdade, deveríamos entender e ensinar que podemos e devemos ir como estamos a Deus, não somente uma vez, mas todos os dias das nossas vidas. Jesus me mostrou que Deus não está de braços abertos somente para aqueles que fazem tudo certinho e cumprem todos os rituais inventados pela religião, mas o está principalmente para os pecadores que se assumem como tais. Por isso, João diz: “Se alguém diz não ter pecado é mentiroso”. E ainda: “Escrevo estas coisas para que ninguém peque, mas, se alguém pecar, temos um advogado junto a Deus, a saber: Jesus Cristo, o justo”. Isso porque “Ainda não somos o que haveremos de ser”.
Meu convite a você é para que você vá a Deus todo dia, toda hora, sem medo, sem pavor. Vá sempre como você estiver, do jeito que você é. Quando você falhar, saiba que o mundo inteiro poderá atirar pedras, mas Deus será o primeiro a oferecer o perdão e a cura. Quando você se achar a pior pessoa do mundo, corra para o colo do Pai, pois as mãos dele não irão pesar sobre sua cabeça, mas irão acariciar o seu rosto e enxugar dos seus olhos toda lágrima. Não perca tempo. Não tenha medo. Vá sempre a Deus do jeito que você estiver. E lembre-se, como diz Ed René Kivitz: “O amor de Deus só é suficiente para que você não viva de qualquer jeito se você tiver consciência que Deus vai continuar lhe amando mesmo se você viver de qualquer jeito”.


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