"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Pequenas Ressureições

Por Ricardo Gondim

De repente, acordei: a vida desobedece engrenagens. Deitado no leito de um hospital, vi que nem toda a causa implica em um efeito previsível. A saúde baqueia mesmo os que se exercitam. Decepções chegam igualmente para justos e injustos. Desgostos batem em portas indistintas. O sofrimento nivela a todos.
Cara a cara com a brevidade da vida, decidi não esperar os anos escorrerem parecidos. Em meio a dores, determinei: viverei diferente. Fragilizado, não tive outra escolha senão rejeitar os acenos da onipotência. Forçado, considerei reaparecer como uma Fênix.
Para ressurgir, precisava bagunçar a sistematização de antigas certezas, simpatizar com as não-respostas dos místicos e desistir de concatenar as iniciativas celestiais.
Desobriguei-me de controlar toda e qualquer simetria. Desisti de gerenciar a sincronia dos eventos. Rasguei planilhas que prometiam resultados matemáticos para a existência. Considerei melhor ser santo que, herói.
Já não tento aplainar estradas que se alongam à minha frente. Busquei domar a vida, e me frustrei. Vi ideais virarem insultos; arrojos, fadigas; e, pressupostos, anátemas.
Consciente de minha vulnerabilidade, não quero confundir perplexidade com covardia. Mesmo hesitante, eu me proponho encarar as esquinas que aparecerem no caminho sem acovardar-me com as consequências do lado que escolher. Vida em abundância se esconde nos riscos que corremos.
Decido não tentar ressuscitar o passado que tanto encantou os meus verdes anos. Reconheço: o carrossel da vida não recua. Indelével, o tempo mastiga quem luta para resisti-lo. Por isso, repito: “Não querer largar o que se foi, adoece do mal que alguns chamam de melancolia”. Minha esperança renasce das cinzas, não da ingenuidade de acreditar que posso reviver o que o tempo levou.
Desisto de aplacar ódios, antipatias e inimizades. As agulhas que tentam me ferir são numerosas demais. Não tenho fôlego para quebrar cada uma delas. Prefiro seguir indefensável. Contento-me em perseguir apenas as verdades que geram candura.
Reinvento-me sem me deixar levar por pressões alheias. Largo de mostrar-me competente para quem não me respeita. Desvisto-me do esforço de agasalhar reputação com demagogia.
Decido exorcizar toda e qualquer rispidez da alma. Preciso que bondade permeie as minhas iniciativas. Desejo aprender a reverenciar o próximo, mesmo quando discordar dele. Peço a Deus que me ajude a jamais confundir franqueza com insolência; e que graça se antecipe à toda virtude que eu imagine possuir. Mas aos que me acolherem, ofereço-me no que escrever, falar e fizer.
Diante da brevidade da vida, resolvo me manter obstinado em ler e disciplinado no amor à poesia. Ainda sonho aprender a apreciar os mestres da pintura e a apurar os ouvidos para a sutileza das grandes sinfonias. Chegou a hora de temperar a existência, quando insípida, e a colorir o dia baço.
Almejo descobrir Deus no rosto da criança sofrida, na mão suplicante do miserável e no olhar do ancião abandonado. Anseio celebrar Deus tanto nas iniciativas de quem é solidário como na obstinação de quem defende a dignidade do oprimido.
Renasço de um tempo difícil, sem alucinação, extravagância, ostentação ou pieguice. Desafio a minha alma a contentar-se com a simplicidade, a gozar o instante sem culpa e a tecer emoções sem neurose.
Torço para que o espantalho da morte se atrase; ele não pode prejudicar tantos planos.

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