"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

sábado, 28 de julho de 2012

Pinóquio: como tornar-se humano


Adriana Tanese Nogueira


Entre outros significados da história de Pinóquio há um de extrema importância para o processo de individuação do sujeito humano, ou seja, para a passagem da identidade coletiva para a individual, original e precisamente única. 



A identidade coletiva é o conjunto de formas de pensar, de interpretar o mundo e a si mesmo, de abordar o que se sente, de relacionar-se com os outros e o parceiro, de entender a vida enfim que o grupo e a sociedade como um todo injetam no indivíduo a partir do momento em que ele nasce. Ao interpretar o choro do bebê segundo padrões dados está-se estereotipando o bebê.
Ao dar a um filho o que supostamente “toda criança gosta” o estamos colocando num lugar comum. Ao vestir a menina de “bonequinha” e o menino de “moleque” tiramo-lhes suas individualidades e os achatamos num padrão comum. E assim em diante até a velhice é um constante reconduzir toda manifestação pessoal a um punhado de modelos coletivos dados (e convenientes).



Lá vem a crítica: mas a pessoa gosta, a criança aceita, o outro se reconhece… Sim, eles adoram assim como Pinóquio amou encontrar o Gato e a Raposa. Olhando de fora e de longe para esta história infantil, podemos pensar: que bobinho… Pois é isso que Pinóquio é, um “bobinho” e é tal porque é um boneco.



É da “natureza” do ser boneco ser manipulável, é para isso que ele serve. Bonecos devem poder ser pegos nas mãos e usados para uma variedade de jogos e brincadeiras, personagens e fingimentos. Quem decide o que fazer dele são os criadores do jogo.



Bonecos seguem o que outros decidem por eles, e, como Pinóquio, se encantam com qualquer sonho cintilante lhes é ofertado pelos conselhos espertos de quem tem outros fins. Não é este mesmo encantamento que vemos nos olhos de crianças quando sonham com seus presentes? Não é esse mesmo enaltecimento que a mulher e o homem sentem quando se percebem próximos de ideais aprovados pelo colletivo? Que sejam músculo e corpo fino ou um lugar de poder no trabalho, ou simplesmente os amigos que se têm não importa, desde que seja um valor coletivo (e quem não conseguir fazer este jogo, está fora e se sente um peixe fora d’água).
E é assim que Pinóquio sai pelo mundo afora acolhido e apoiado pelos seus pares. Alegremente, ele se entrega ao que é vendido como bom (hoje em dia, os vendedores são: pais, professores, amigos, TV, Internet, música, etc.). Confunde-se com a massa e está feliz assim, no abraço de amigos e balas.



Sabemos que as coisas na vida não são bem assim, logo ocorre algo que sacode a pessoa de sua hipnóse. Diferentemente de Pinóquio, a maioria das pessoas não possuem nem um pai preocupado que vai atrás do filho nem uma fada madrinha. E o pequeno grilo com seus conselhos contra corrente foi calado e recalcado desde a mais tenra infância, ainda na casa dos pais quando certas coisas não podiam ser ditas, e nem pensadas.



Mas a história de Pinóquio está a nos lembrar que só se deixa de ser bonecos quando se passa a pensar com a própria cabeça. Uma pessoa para de ser presas de estereótipos e modelos externos quando passa a prestar atenção à própria consciência. Pinóquio conta a transição de comportamentos inconscientes, facilmente hipnotizáveis pelas luzes faiscantes de miragens douradas, à consciência, que é a marca do ser humano, e que lida a comportamentos responsáveis.



PS. A dica para compreender a história de Pinóquio foi me dada anos atrás por meu analista e supervisor Mario Mencarini.

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