"Já choramos muito, muitos se perderam no caminho. Mesmo assim, não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera... Quando entrar setembro..." (Beto Guedes)

domingo, 1 de abril de 2012

A arte de ser homem



Carol Teixeira bate um papo com o filósofo Luiz Felipe Pondé sobre sexo, fidelidade, promiscuidade – e sobre o que querem as mulheres



Luiz Felipe Pondé é o polêmico filósofo que conquistou admiração mas também muitos desafetos com suas colunas na Folha de S.Paulo. Com opiniões controversas e extremas, é o tipo de pessoa que se ama ou se odeia. Eu amei. Na chatice do politicamente correto em que vivemos, nada mais revigorante que ver alguém desafiando o senso comum com propriedade. No nosso papo ele falou dos dilemas do homem contemporâneo, defendeu uma “ética da promiscuidade”, disse que Viagra fez mais pela humanidade do que 200 anos de marxismo e que a fragilidade masculina ainda não tem seu lugar no mundo. Aqui, alguns trechos do nosso papo.
O que querem as mulheres
Se nenhum filósofo na história entendeu as mulheres, você se vê também nesse impasse, caro leitor. Sim, eu sei, não somos fáceis. Mas você tem que saber lidar com a gente, não tem como escapar. Pondé aqui manda uma ajuda explicando o atual dilema masculino e tentando decifrar nossos confusos desejos.
A pressão que o homem sofre é a seguinte: primeiro que ele não pode ser como era antigamente porque seria visto como dinossauro,  ultrapassado etc. Porém, o principal problema é que a mulher, apesar do discurso de independência, de emancipação, continua querendo alguma coisa do homem que é antiga. E o discurso da cultura emancipada moderna mente sobre isso, diz que não é assim. Então, a mulher acaba produzindo uma espécie de desencontro entre o que ela quer (e não pode dizer, pois pode ser interpretada como uma traidora da causa da emancipação e da liberdade) e o que ela diz que quer. Isso confunde o homem. E ao mesmo tempo ela de fato não quer voltar a ser mandada como era antes, mas ela quer ser mandada quando estiver a fim. E o dilema do homem é que ele não pode ser o que era antes, mas ao mesmo tempo tem que ter ainda um pouco aquela coisa ‘caminhoneiro’. Ele se vê tendo que ser um cara que chora… mas só até um certo ponto, porque, se passar disso, ele já não serve, pois quando a mulher quer que o cara seja poderoso ele tem que ser poderoso. Não é fácil. Então o que eu acho em relação a esse assunto específico é que ela quer que o cara seja potente, que ele tenha ereção quando ela está a fim da ereção, que ele tenha ereção inclusive quando ela não está a fim da ereção, para ela dizer que não está a fim. A potência masculina tem que transbordar o necessário. A mulher quer potência contínua mesmo para que ela possa reclamar disso.”

Ética da promiscuidade
Em um dos textos mais interessantes de seu livro Contra um Mundo Melhor, Pondé se posiciona contra os “afetos corretos” e os arautos da chamada ética da alteridade (o respeito ao outro como pilar das relações humanas).
Me incomoda essa coisa dos ‘afetos corretos’. O que é o afeto correto do homem? É o que esse papinho modernoso fala. O pensamento público que virou um pensamento  arqueteiro. O ser humano é um ser essencialmente promíscuo. O que eu chamo de promiscuidade é o fato de que o desejo, os afetos, a libido do ser humano vão além do que têm que ir, mesmo quando você está agindo civilizadamente. Se você resolver colocar isso numa chave muito rígida, você destrói o que me parece que é o coração do ser humano. Dá para viver uma ética da promiscuidade em vez de uma ética da alteridade? Não acho que dá para viver como política pública, mas eu acho que é assim que a gente vive na verdade. Tem uma dimensão na vida que precisa ficar meio na sombra. Falar a verdade o tempo inteiro é insuportável e contar para outra pessoa o que você pensa no dia a dia no âmbito das relações também é insuportável. O que eu chamo de promiscuidade também é uma coisa que o ser humano nunca controla a si o tempo todo. Eu sempre digo: uma pessoa que respeita muito o parceiro não deve transar direito. Para ter uma relação sexual você não pode respeitar. Se você respeita o outro é porque já ficou indiferente a ele. A pessoa não é matemática assim. Uma coisa que é o tempero das relações é o sentimento de culpa, de vício, você saber que não consegue se controlar com uma coisa. Não confio em uma pessoa que não tem vício. Uma pessoa que não tem vício não tem noção da violência da vontade. Para mim, ela continua no jardim de infância.”


Fidelidade
Ser fiel já teve significados diferentes para homens e mulheres, mas será que ainda é assim?
O homem continua sendo mais angustiado com a ideia de fidelidade do que a mulher. Se os darwinistas têm razão, e nós estamos submetidos a comportamentos inconscientes selecionados à nossa revelia, a infidelidade significa o risco de ele criar uma prole que não é dele. E, se nossa sexualidade está intimamente submetida a nossa questão reprodutiva, para a mulher não é um drama tão grande a questão da infidelidade. Mas a mulher tem que demonstrar que se aborrece com a infidelidade masculina (de one night stand por exemplo) mais do que na realidade ela se aborreça. Porque se ela não passar essa imagem, fica parecendo que ela é submissa, idiota, que ela não é uma mulher que marca seu espaço. O homem na verdade é muito mais inseguro que a mulher nesse aspecto.

Felicidade
Entre as várias obrigações da vida hoje em dia está essa: ser feliz. A felicidade nos vem quase como uma imposição entre tantos deveres.
Acho um saco essa coisa da obrigação da felicidade. Não dá mais para ser infeliz em paz.Sei que a vida é difícil mesmo – e no final ainda dá errado. O ser humano é uma espécie grave (no sentido metafórico da palavra ‘gravidade’), ele não sabe o que quer, não sabe de onde veio, para onde vai. Então, a ideologia da felicidade me parece que tira a gravidade do homem, desqualifica essa gravidade. É uma pena. Especificamente para o homem, acho que a felicidade continua sendo a ideia de que ele tem que ter poder, dinheiro, que consegue seduzir a mulher que ele quer. A verdade é que a fraqueza masculina continua não tendo lugar no mundo. E por isso que escrevi que dez anos de Viagra fizeram mais pela humanidade do que 200 de marxismo. Porque isso resolve questões em um monte de níveis.

Sexo
Hoje, com o enfraquecimento das tradições, cada um pode inventar sua moral. Mas, numa sociedade do espetáculo, nada mais natural que a performance prevaleça sobre a real busca do prazer.
Eu sempre digo que acredito que se transava muito melhor há 150 anos. É uma hipótese poética, não científica, claro. Hoje em dia tem uma pressão para se dizer que se transa muito, uma pressão para a vida ser eficaz em todos os sentidos: tem que dar certo profissionalmente, sexualmente, afetivamente, relacionalmente. É preciso ter uma rede de amigos legal, sucesso de agenda profissional e de lazer, um sucesso produtivo. A vida tem que ser produzida, como se produz um show. E isso acaba com a libido sexual, porque é dela que isso se alimenta. Tudo isso compete com o desejo sexual. É tanta coisa que você deve fazer que a cama do casal não é mais o lugar onde você relaxa, é um lugar onde você tem que ter também um bom desempenho, é mais um dever. Antigamente, você tinha menos esse tipo de pressão. Você tinha mais esse jogo de lusco-fusco que está envolvido na atividade sexual. E tem essa coisa de que as pessoas são bem resolvidas sexualmente, o que é uma baita de uma mentira. Não existe ninguém totalmente bem resolvido sexualmente. Acho que existe essa pressão hoje em dia que às vezes eu chamo de “marketing de comportamento”, que é ua coisa de você projetar o tempo inteiro a imagem de que você está bem resolvido. No caso dos caras, a de que você come todas e que dá dez sem tirar.”

Redes sociais
Afinal, elas ajudam ou atrapalham?
A internet é uma dimensão da libido. Mas é cansativo esse clima que ela cria de balada contínua, todo mundo feliz, todo mundo superlegal procurando eye contact. A gente não tem muita coisa para falar, mas a democracia cria uma expectativa de que todo mundo tenha opinião, saiba o que pensa. Acho que a maior parte do tempo a gente não sabe o que pensa, vai vivendo bestamente como sempre viveu. Essa síndrome da democracia fica estimulando você como se você tivesse que saber o que quer. Então, acho que o Facebook e o Twitter potencializam isso, essa dimensão banal, essa dimensão de expectativa que tem 2 cm de realização, ela se realiza como uma espécie de sonho sob controle.

Fonte: abril.com.br


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